segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Sufoco de Gaia ou desabafo?

Roberta Cruz


"Vista do espaço, constatamos que a Terra é um planeta vivo. Chegando um pouco mais perto, observamos um leque infinito de um colorido deslumbrante, em tons tão bem combinados, que dificilmente o mais genial dos pintores já conhecidos conseguiria organizar tão majestosa aquarela. São tons de um azul esverdeado ou de um verde azulado? Sinceramente, não sei bem ao certo definir. Apenas admirar e afirmar em ser uma das mais belas criações de um universo ainda tão pouco explorado.


Com 4,5 bilhões de anos e ainda considerado jovem, o nosso lar - único lar - já se encontra com sua saúde bastante comprometida. Mas, eis que surge uma pergunta dentre muitas, diante deste vasto e infinito universo que conhecemos: por que somos o único planeta capaz de abrigar vida, e propiciar meios para a sua sobrevivência e evolução? Ou seria apenas uma sorte muito grande estarmos por aqui, habitando um espaço tão adequado às nossas necessidades? Ou seria o contrário?!!!

Bem, os dados científicos mais recentes indicam que Gaia, devido aos maus tratos que vem recebendo – principalmente após o advento da Revolução Industrial - encontra-se em um dos seus estados mais críticos. Mesmo dotada de beleza ímpar, exuberante e megadiversa, ela continua insistindo em sobreviver ao ataque incessante de uma recente espécie de parasita que se autodenomina Homo sapiens. É... refiro-me a ela como um recente parasita sim, que aqui reside há mais de 100.000 anos: um insignificante tempo, diante da gigantesca cronologia terrestre. Mesmo açoitada constantemente por seus pretensos feitores, continua escrava e servindo sempre.

Acessando sua memória geológica, verificamos que dentre todos os violentos golpes já sofridos, o avanço tecnológico é sem dúvida o maior de todos. Óbvio que você deve estar se perguntando se prefiro viver no tempo das cavernas ! Digo que não. Mas temos que concordar que, diante de todos os golpes, a recuperação da Terra sempre foi completa! Contudo, estará o planeta procurando – avidamente - meios de pedir socorro àqueles poucos que se interessam pelo seu crítico estado de saúde? Estará a incrível nau Terra à deriva num oceano infinito onde não encontrará um outro lugar para atracar e contemplar uma nova possibilidade de sobrevivência? Como poderemos enfrentar as tormentas do além-mar? Não me refiro somente a nós seres humanos, porém às outras formas de vida igualmente donas deste chão que, certamente, sobreviveriam sem a nossa constante competição. Mas poderíamos afirmar com tanta propriedade que o inverso seria possível?

Qualquer ser pensante, suficientemente sensível e aberto a diálogos, seria capaz de reconhecer que esta preocupação recorrente com o bem-estar do planeta e com a biodiversidade que aqui evoluiu, é no mínimo essencial para a continuidade da sua homeostase.

Para isso, existem desafios muito significativos a serem perseguidos e metas que devemos alcançar. Não é preciso atingir a santidade, mas é irracional insistirmos em estacionar na estupidez da política de idéias e falsos ideais que os “grandes governantes” - dos países mais desenvolvidos - nos impõem (aliás, mais desenvolvidos monetariamente e só!). Se fossem tão completamente desenvolvidos assim, deveriam ser os primeiros a perseguir e utilizar meios, usando todo o poder de persuasão e convencimento de que são dotados, para a conscientização da humanidade e em prol de TODOS os seres viventes que aqui ainda sobrevivem.

Todos os dias os jornais noticiam que os ambientalistas, personalidades de diferentes credos, políticos e cientistas estariam preocupados, cada um ao seu modo, com a salvação do planeta. Até que ponto é realmente sincera e profunda esta preocupação? O fato é que os discursos são muitos, absolutamente corretos e lindos. Na verdade esta pequena elite está - pura e simplesmente - preocupada com o futuro da humanidade. É... é isso mesmo! Preocupados com o futuro de uma única espécie que ainda não conseguiu se despojar de um egocentrismo exagerado e, que sequer, consegue pensar nas demais formas de vida. E os demais biontes?! Esses hipócritas defensores do planeta, os maiores algozes deste orbe, esqueceram de colocar em seus discursos, que pertencemos a um sistema aparentemente fechado. E ainda, que o intercâmbio com o cosmos, no estado em que nos encontramos, ainda é imensamente limitado diante de tantas possibilidades que a física quântica ousa explicar.

Será que não se deram conta que pertencemos a um planeta onde sequer sabemos como viver, equilibradamente, com todas as demais criaturas? Quão extensa e incalculável é a nossa dívida para com a Terra e com os demais sobreviventes, nossas vítimas indefesas? Não sabem mais o que é biofilia, certamente.

Posso estar sendo redundante, e mesmo abusando de pleonasmos, mas até quando uma minúscula minoria continuará preocupada com a qualidade da água, sua purificação, estocagem e distribuição igualitária? Com a correta coleta de lixo e seu armazenamento? Com a manutenção dos sistemas de esgoto e o aumento do saneamento básico ambiental global? As questões são quase que inumeráveis.

Num momento de tão elevada intelectualidade e soberania humana, parece paradoxal a resposta de que somos incapazes de solucionar, definitivamente, algumas destas questões, mesmo que ainda não tenhamos resposta para todas elas. Ainda assim, devemos continuar a nos empenhar no recrutamento de irmãos que sinceramente queiram deixar de ser meros parasitas e que queiram autopromover-se à categoria de simbiontes. Uma sugestão: podemos começar pelo que ainda nos resta e vislumbrar a possibilidade de deixarmos que as florestas, ainda remanescentes, cresçam e se sustentem.

Podemos começar a nos redimir perante a Terra. Deixar nosso orgulho de lado e tentarmos, diariamente, sufocar o hábito consumista desenfreado. Reutilizar o antigo e reciclar a novidade. Podemos nos despir da empáfia que nos assola e nos conscientizarmos, verdadeiramente, que todos nós, seres aqui viventes, somos como uma mente e um corpo integrantes de um mesmo organismo. O desequilíbrio de uma das partes fatalmente afetará, mais dia, menos dia, o organismo inteiro.

Até quando nos contentaremos, simplesmente, a sonhar com isso? E será que temos o direito de esbravejar tanto contra as reações de Gaia? Será que continuaremos a pensar que somos excelentes administradores, bons agricultores e criadores de gado? Será que fomos escolhidos por um Ente Supremo, bom, perfeito e justo, para sermos “Tutores da Terra” ? Ou meramente somos aquele parasita voraz que não se sacia enquanto, burramente, mata seu hospedeiro e, como consequência, comete suicídio?

É preciso insistir, e continuar resistindo, lutando para que mais seres que se dizem racionais, possam assimilar a verdadeira proposta de um espírito de atitude coletiva, revertendo a situação desta nave-mãe, se é que ainda há tempo. Que este único e gigantesco organismo continue a ser o abrigo de nossas almas moralmente enfermas. Que cresçam e frutifiquem o respeito, a cooperação e a coletividade!

Mas uma coisa é certa: mesmo que este parasita seja extinto da Terra, a vida que nele restar será capaz de reconstruir lentamente tudo mais uma vez!