Ao penetrarmos numa floresta é
comum sentir uma sensação de algo um tanto estranho aos nossos olhos tão acostumados
com as linhas retas do concreto e o preto das impermeabilizações betuminosas.
As florestas nos dão a sensação de paz e a presença de energias suaves que nos
convidam à meditação e à aproximação com o sagrado. O ar úmido e ameno não nos
lembra o ambiente das avenidas movimentadas e o barulho de conversa alta ou aos
gritos, para chamar a atenção de algo supérfluo e dispensável. Na floresta o
silêncio é uma questão de sobrevivência. Cada canto, cada som e cada ruído, têm
um significado e uma mensagem para quem possa percebê-los. As cidades também
são cheias de ruídos, muitos sons, numa parafernália que se apresenta como
organizada, mas que retrata uma desesperada necessidade de convencimento de que
algo é indispensável a sua vida. Nas florestas não existem apelos. Os
nascimentos e as mortes ocorrem de modo imperceptível, fora alguns gemidos, com
o mínimo de alardes nesses acontecimentos tão especiais. Nas cidades temos
lugares para nascer e para morrer, chamados de maternidades e cemitérios. Não
existem cemitérios em lugares especiais nas florestas. O conceito de cemitério
é do homem. Com epitáfios e monumentos, ou apenas envolvido num pano barato,
acomodado num buraco raso, com ou sem lágrimas. Nascer e morrer numa floresta é
reciclar matéria e fazer fluir a energia, sem grandes sentimentos. Alguns insetos
sociais possuem comportamentos semelhantes aos dos homens, como as formigas, em suas cidades de
barro, com túneis escavados, depósitos de alimentos, ventilação etc. Muitas
coisas nós poderíamos aprender com elas. Quando se movem, parece haver um
maestro invisível que comanda a todos, sem erros. Não há lixo nos caminhos. Os
resíduos são todos imediatamente tratados para o bem-estar de todos, como uma
necessidade urgente. Algumas cidades possuem também seus sistemas sanitários,
mas nem todos são tão eficientes. Do ponto de vista social somos um tanto
diferentes das formigas e de outros animais porque lidamos com questões morais.
Por exemplo, nossa cultura nos impregnou com a idéia de que urina e fezes são
abomináveis, causam mau cheiro, não são agradáveis de ver. Os animais às vezes
também urinam em determinados locais, mas não se preocupam com atentados ao pudor. Esvaziam
suas bexigas por razões gravitacionais e fisiológicas como nós, e todos aqueles
nutrientes serão logo usados por outros seres menores, como alimento. Dejetos
são alimentos! Criam novas vidas. São verdadeiras dádivas divinas nas florestas,
que alimentam milhões de decompositores que não vemos. Nas cidades os dejetos
são repudiados. Mas já temos alguns humanos que aproveitam esses resíduos
pastosos para produzir gás e como fertilizantes naturais. A floresta faz isso
há milhões de anos. Nós é que não valorizamos tais soluções. Intitulamo-nos civilizados
e inovadores, mas apenas copiamos o que outras criaturas “insignificantes” já
sabem fazer com sucesso absoluto. Mas como explicar ao nosso ego que somos
frágeis e ignorantes? Que somos apenas copiadores imperfeitos e envaidecidos? Da
Vinci já sabia disso. O gênio foi um imitador perfeito da natureza, ela sim, a
verdadeira fonte de soluções e modelos para nos ensinar o que fazer e como
resolver situações que afligem a nossa espécie.
Nas florestas ninguém é superior a ninguém. Todos possuem as mesmas
chances para serem convidados a fazer parte da “festa da natureza”. Cada um tem
seu espaço e sabe o que fazer nele. Respeita o outro. Pode até mesmo matá-lo, mas
não existe nisso nenhuma maldade, nem crime, nem ódio ou desavença guardada. As
florestas são lugares sagrados e todas as suas criaturas são deuses. A floresta
funciona como uma orquestra de milhões de músicos, cada um tocando um
instrumento diferente, ao mesmo tempo; mas ninguém se perde e segue uma pauta invisível,
sem desafinar. Quem sabe possamos ser, num futuro próximo, uma grande orquestra
e esquecer de uma vez por todas as cidades desumanas e caóticas? Menos prédios e
mais educação? É uma questão de ferragens, concretos e cálculos ou de
relacionamentos entre seres? Onde erramos? As florestas se renovam
automaticamente se não houver interferência humana. Nas cidades os prédios
antigos começam a desabar e terão que ser demolidos e substituídos, mais cedo ou
mais tarde. Em pleno século XXI estamos nós ainda repetindo modelos comprovadamente
obsoletos. Que modelos seguir para as novas cidades? Se perdermos as florestas
nós não vamos perder apenas árvores. Vamos destruir um dos mais perfeitos
modelos de convivência complexa e organizada da Terra. Uma verdadeira escola de
sobrevivência no caos. Não existe preço para esse conhecimento acumulado por
tanto tempo, tão vitorioso. Mas nós mal conseguimos ver uma árvore, um bicho,
um rio. E quando vemos, não entendemos o que está por trás de tudo isso. E meio
perdidos, vamos seguindo o brilho das luzes ofuscantes que as máquinas pipocam
nos nossos rostos. Os sons que rebentam os nossos tímpanos e as drogas que
confundem as nossas mentes e deturpam os cheiros. E assim, deixamos de ver as
estrelas com suas luzes distantes e cintilantes; não sentimos mais o perfume da
floresta, e vagamos ansiosos em busca do poder e do ter. Precisamos resgatar
esses caminhos naturais e nos voltar mais para nós mesmos, mas não num sentido exclusivamente
egoísta. É uma questão de perceber e reconhecer que somos a própria natureza em
movimento. E assim sendo, podemos nos comportar como ela, em busca da harmonia
e dos ajustes necessários. Se a natureza é obra de Deus e nós somos também
natureza, nada nos impede de sermos quase divinos, quase bondosos, quase
amorosos, quase justos, quase éticos, e quase qualquer coisa. Na
impossibilidade de sermos absolutamente perfeitos, por causa da nossa essência humana,
vamos galgando nossa montanha de sonhos, evoluindo nessa caminhada, em busca desse
topo ideal. Mas como diz a frase: para caminhar é preciso dar o primeiro
passo... E você, onde está nesta montanha?