Colaborador Roberto Rocha
Os
homens brancos sempre foram brancos? Essa pergunta me surgiu ao assistir um
programa sobre racismo. Qual a origem do racismo? O racismo sempre existiu ou é
uma consequência natural e sociocultural? Se é verdade que o berço da
humanidade é a África, então, todos nós éramos negros no início: uma origem sem diferenciação de fenótipos. A questão da raça, quando estudada do ponto de vista genético, é algo
muito natural entre qualquer espécie. Aprendi que uma espécie pode ser modificada
em algumas de suas características, com base em duas fortes vertentes: a do
potencial genético e da resistência do meio. Se a nossa constituição genética de
um passado muito remoto, era uma só; e vivíamos num mesmo continente, na linha
do Equador, então parece ser fácil explicar que poderíamos ficar por ali, por
muitos milhares de anos, sem grandes variações em nosso genoma original. No
entanto, nossa curiosidade de conhecer o entorno nos fez ampliar, cada vez
mais. os nossos restritos territórios de origem. Em nossas vivências
migratórias, fomos deixando pelo caminho um rastro genético de pele negra
adaptada aos trópicos. Mas a medida que nos deslocamos para o Norte, os
desafios aumentaram. Não estávamos acostumados com tanto gelo. A riqueza da caça
abundante equatorial não era a mesma nas terras boreais. Muitas espécies foram exterminadas pela interferência humana no passado - e continuam sendo até hoje - só que num rítmo muito mais acelerado. Logo perceberíamos que
somente com muita inovação para manejar plantas e animais é que teríamos alguma
chance de continuar a viver em ambientes tão hostis. Por centenas e centenas de
anos a melanina superficial foi diminuindo e a cor da pele foi clareando. Uma
cultura adaptada às exigências do Norte era agora uma questão de sobrevivência.
Tivemos que melhorar a nossa capacidade de caçar, plantar e criar. Algo novo
que não aconteceu com nossos ancestrais das florestas dos trópicos. Os grandes
animais do gelo que lembravam as espécies africanas foram logo exterminados
para servirem de alimento. E agora, o que fazer? Enquanto isso a pele negra que
migrara no sentido da linha do equador continuava a encontrar caça abundante e
sem problemas com o gelo devastador. Duas correntes então se formaram de uma
mesma origem. Os migrantes equatoriais e os migrantes boreais. A vida tropical
é menos exigente e oferece tudo que precisamos. Não há necessidade de grandes
mudanças. No entanto o fato de termos saído da África nos colocou um enorme
desafio que não estávamos acostumados: viver em terras frias. Onde está a caça
abundante de um ano inteiro, a qualquer momento, de dia e de noite? Em terra ou
nos rios? Nas praias arenosas e nos mangues, ricas em moluscos, crustáceos, e
uma infinidade de peixes? O homem do Norte ficou um tanto desolado com pobreza
de vida, mas sabia como plantar e colher mesmo em pequenos períodos. Aprendeu a
guardar o alimento e ampliou sua capacidade de sobreviver, invadir e se adaptar
à nova realidade. Talvez seja esta a principal diferença entre os homens negros
que tornaram brancos e os homens sempre negros. Foi uma questão ecológica e
cultural. A necessidade faz a hora ou a hora faz a necessidade? Os indivíduos
que não souberam se adaptar as novas exigências, sucumbiram. Outros, voltaram
para a linha do Equador. Mas alguns ficaram. E por muitos anos aprenderam
técnicas novas de se organizar e de observar o que havia nas proximidades. O
homem equatorial não precisou se esforçar tanto. Bastava saber caçar e pescar
num mundo abundante de vida, os trópicos. O povo do gelo teve que “inventar”
novas moradias e se especializou em engenharia de sobrevivência. Foi um passo
enorme. No entanto, uma vez aprendida a lição seria mais fácil ampliar suas
populações por uma vasta área ainda virgem, embora um tanto pobre, se comparada
com as terras tropicais. Se observarmos a maneira com que o homem brando ocupa
as terras, vamos encontrar uma estrutura mais “pensada” do que as que são
usadas pelas tribos da África e da America do Sul. Enquanto o povo dos trópicos
concentrou sua cultura na caça, o homem do Norte concentrou sua cultura em
sobreviver em ambientes hostis. Seria coerente pensar que o homem do gelo tivesse
uma maneira diferente de pensar e de agir, quando comparado com o homem
tropical. Quando se diz que não existe diferença entre a inteligência do negro
e do branco, isso parece ser verdade, porque os desafios foram diferentes ao
longo da história antropológica. Se todos os homens negros iniciais tivessem
ficado no Norte, todos eles teriam os mesmo desafios e uma cultura mais
semelhante. Mas isso não aconteceu. O homem do gelo foi obrigado a perceber o
mundo de uma forma diferente e a conviver com modelos diferentes daqueles dos
trópicos, que fizeram parte da sua história inicial. As savanas são áreas
abertas e ensolaradas. A pele negra ajuda a proteger a intensa radiação solar.
Mas se o homem negro passar a morar em locais mais abrigados, sob a copa das árvores
da floresta equatorial, é muito possível que a sua pele não precise de tanta
melanina, e fique mais “acobreada”. Seriam eles os nossos indígenas
brasileiros? Não foi a toa que chamaram os europeus de “homens brancos”. Mas
vem a pergunta: mas na África nós temos também florestas equatoriais! Porque os
homens negros não clarearam nas florestas chuvosas da África? Por que
preferiram viver lá, predominantemente nas áreas abertas? Seria por causa dos
predadores? Concorrência com outras espécies de florestas mais fechadas? Será
que existiram “homens brancos” na África? Como explicar a existência de uma
mesma espécie – Homo sapiens – com
três fenótipos diferenciados: de pele negra, de pele vermelha e de pele branca?
As recentes pesquisas sobre a trajetória histórica da espécie humana e suas
adaptações podem nos ajudar a esclarecer tais diferenças.