Colaborador Roberto Rocha
Recentemente, examinando mapas da América do Sul observei que a Amazônia é o principal centro de megadiversidade do planeta. As grandes áreas verdes concentradas ao longo da bacia amazônica me induziram a perguntar: por que o Norte? Por que não o Sudeste? A resposta veio rápida: isolamento e abundância de água ! Perfeito ! Os organismos precisam de água para manter suas trocas metabólicas em meio às organelas, células, tecidos, órgãos, sistemas e qualquer outro tipo de organização viva. Considerando não só o volume mas também a qualidade, poderíamos também incluir o Brasil Central, não fosse o arraso florestal para o agronegócio que descaracterizou boa parte de sua original estrutura. A prática do "arraso" foi trazida para o Brasil pelos europeus, como opção rápida e objetiva para a implantação de culturas de interesse econômico imediato. O modelo dos europeus autênticos - o povo da toca - continuaria a ser usado nos séculos seguintes, desta vez também pelos eurodescendentes, um genoma já diferenciado de sua origem boreal (do Norte) porque a cor da pele, o cabelo, a estatura, a cor dos olhos, o modo de falar, o consumo de alimentos - os mais diversos - teriam um impacto significativo na formação do "brasileiro". Os povos autênticos dos trópicos - o homem da oca - não tinham a preocupação de plantar e colher em grande escala. Não precisavam de dinheiro e nem de acumular bens. Os seus "bancos" eram de madeira, artisticamente trabalhados, com base em tradições milenares, e quem sentava neles eram os tesouros em forma de gente, o pequeno curumim. A sabedoria de muitos séculos era passada para cada um deles, sem escolas formais, nem professores remunerados. Apenas a voz no silêncio da mata; interrompida por algum canto de ave, na observação atenta do entorno, rico em biodiversidade, plantas medicinais, ar puro, solo sem agrotóxicos. Alimentos de cores variadas, animais abatidos, penas coloridas, urucu e jenipapo. Danças, lutas e torneios. Que riqueza! E ainda os chamavam de "incivilizados"! Os mais sanguíneos foram abatidos porque versava na época que eram belicosos e que ameaçavam as aldeias. A idéia de "invasão" de território alheio não era cogitada porque na verdade tratava-se de uma "colonização". Seria certamente algo eticamente correto considerando-se as convicções do momento e do contexto histórico vivido. Podemos hoje criticar tais acontecimentos, mas isso seria inviável para uma Europa que fervilhava em idéias de um tempo moderno. O mercantilismo era a prática do momento. A renascença era algo distante para um país de tradições indígenas de milhares e milhares de anos. Os "índios" viveram aqui todo esse tempo e preservaram todos os nossos biomas. A cobertura florestal brasileira em 1500 era algo invejável. A convivência com a cultura européia modificou drasticamente a biodiversidade brasileira em pouco mais de 500 anos. A cultura africana tribal era semelhante a dos nativos mas também foi influenciada pelos homens da toca, ou homens das cavernas. Essa alusão prende-se ao fato de que os hominídeos primitivos ocupavam as tocas de animais carnívoros porque ali tinham um abrigo seguro onde uma única entrada poderia ser vigiada e defendida com maior facilidade. Os indígenas construíam suas "ocas" com material reciclável, da própria natureza. O brasileiro de hoje é um rico repositório de variados genes e culturas adaptadas. O homem da oca perdeu boa parte do seu território para o homem da toca. Suas pequenas "vilas" foram substituídas pelos tijolos de concreto fumegantes, pela impermeabilização do solo, pela substituição das flores naturais por flores e folhagens de "plástico", perfeitas... Como dizer que todas essas conquistas não nos tornaram mais felizes? Você não é feliz? O que importa se uma cultura de mais de 20.000 anos foi relegada? Nós vencemos! Estamos por aqui com a nossa avançada tecnologia. Com fertilizantes que permitiram explodir a população do mundo e somente um bilhão de pessoas ainda vive na linha da miséria. O aquecimento global é uma invenção de alguns cientistas malucos. Estamos resgatando todas as espécies ameaçadas da Terra. Nossa longevidade aumentou e podemos até substituir nossos órgãos defeituosos originais por peças mecânicas certificadas. Qual o mal de tudo isso? É apenas uma questão de estratégia de sobrevivência! Vence o mais ardiloso. O mais astuto. O mais bem equipado. O mais bem armado. A questão é que um oceano isolou por muito tempo duas culturas distantes, que resolveram seus problemas com modelos muito diferenciados. Infelizmente os europeus, homens da toca e do gelo, não tinham conhecimento da cultura indígena e de sua sábia maneira de explorar os recursos da terra sem ter que derrubar as florestas intensamente. Foi, e continua sendo, o maior equívoco de uso racional de todo um continente. Embora com uma tecnologia avançada não sabemos como cada bioma tropical funciona. O conhecimento e a valorização dos serviços dos ecossistemas ainda não são prioridades dos modelos de produção. Continuamos apostando no NPK e nos agrotóxicos, no desmatamento de florestas complexas para serem substituidas por monoculturas e criação de animais da Eurásia. Sou um homem da toca! Mas tenho um respeito e uma admiração, sem limites, pelos homens da oca. O pó de cada antepassado deles está aqui, com certeza. A água dos seus corpos circula nos rios, nas nuvens e na estrutura de cada organismo desse espaço. Os meus ancestrais ficaram em outras terras, além do oceano, num país frio, ao Norte...
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