sábado, 29 de dezembro de 2012

Pensando num futuro já.



Colaborador: Roberto Rocha
 
Como o mundo realmente não acabou, fico muito satisfeito em continuar a curtir tudo o que eu gosto e a estar sempre disposto a ver as coisas desagradáveis como caminhos de aprendizagem em vez de motivos de sofrimentos e lamentações. Sofrer por sofrer não muda nada. Alias, muda sim: a minha cara e a minha disposição para estar no mundo. Andar com a cara triste e amarrada só afasta as pessoas. Se desejar  fazer alguém feliz, comece por você! A felicidade se irradia. Nesse momento conturbado do planeta estamos precisando de pessoas otimistas e alegres, bem humoradas. É uma questão de condicionamento e de desejar estar assim. Nosso livre arbítrio nos deixa à vontade para decidir o que queremos fazer de nossas vidas. Se formos pessimistas, assim será a sua vida. É certo que a vida não é um mar de rosas, mas também ninguém se aguenta banhando-se em fogo e sangue. É como fôssemos um rio a alimentar um grande oceano. Se agora só depositamos mazelas, teremos um mar de mazelas no futuro. Inda bem que tem gente que derrama somente coisas boas nesse oceano e as mazelas podem ser até diluídas. É um bom momento para perguntar: o que você tem derramado no oceano do mundo? Entendo que seu oceano particular possa ser sujo e mal cheiroso. Mas quando vamos derramar algo no mundo, vem a preocupação de que devemos respeitar o "outro". Nesse final de 2012, dizem que termina um ciclo longo para iniciar um outro, certamente promissor e transformador. Ninguém aguenta mais os absurdos que imperam na Terra: as desigualdades sociais, a exclusão, a ganância, o desrespeito ao próximo e tantos outros. O mundo globalizado está ruindo porque não soube administrar o seu próprio paradigma. A busca por um PIB cada vez mais alto deixou os países desenvolvidos cegos nos próprios caminhos que construíram sem maiores cuidados. A sociedade está mudando. Não está mais aceitando imposições incoerentes e descomprometidas. Os próximos anos serão decisivos para traçar um futuro mais equilibrado e menos agressivo. Se não for por motivos econômicos e sociais será por motivos ambientais, tipo aquecimento global ou algo semelhante. De que vale tanta tecnologia se ela não é capaz de controlar os desastres do mundo. Podemos apenas "prever e registrar" o tempo de hoje ou de alguns dias. Simulações podem ajudar mas há sempre um fator de erro embutido nelas. Com toda a parafernália atual não somos capazes de deter um terremoto ou um tsunami. Ventos de 150 km brincam com as nossas frágeis estruturas. Resta rezar os entes queridos. O lema mais importante para a economia deveria ser: quanto "mais complexos" forem os sistemas naturais, mais lucrativos eles serão para TODOS. A questão é que o lucro perseguido nos últimos séculos tem sido apenas para ALGUNS, com base na "simplificação". Florestas inteiras são destruídas para a implantação de monoculturas e pecuária, numa demonstração equivocada de modelo "produtivo". Ora: o que será mais produtivo do que uma floresta inteira? Com milhares e milhares de espécies? Guardando água em seus corpos minúsculos como se fossem um verdadeiro oceano terrestre! Oceano terrestre sim! Já pensou nisso! Existem rios que voam e oceanos terrestres! Estranho não é? Precisamos inovar e pensar "diferente" do que nos dizem por aí. Pensar é preciso! Refletir é preciso. Para que não tenhamos a desconfiança de que estamos sendo cúmplices de um grande crime planetário, anestesiados ou não, mas que será cobrado por nossos netos e bisnetos. Boas reflexões para 2013... 

domingo, 23 de setembro de 2012

Falando de gerações e de emissões

Colaboradora Roberta Cordeiro da Cruz
Muitos de nós já ouviram falar que no século passado, na época em que nossos avós eram bem jovens, o clima não era da forma como hoje se apresenta. As estações eram mais facilmente reconhecidas por suas características bem definidas. Nossos ascendentes conseguiam até prever, com certa precisão, acontecimentos climáticos de menor importância e assim tinham como planejar melhor pequenas decisões.
Decorrido menos de um século entre nossas gerações, já não podemos ter a mesma certeza de como será o tempo no dia seguinte, mesmo com toda a tecnologia avançada que dispomos atualmente para a previsão de furacões, tempestades, etc.

Mas o que está faltando para que o homem possa “dominar” as intempéries dos dias que virão?
O homem moderno deixou sua conexão com os elementos naturais e passou a ser altamente dependente da tecnologia que produziu.
 
Hoje, o “homem do campo” ─ aquele antes conectadíssimo com a natureza ─ é tão dependente desta tecnologia moderna que passou a ser apenas um “homem no campo”.
 
E os raios?! Ah! Os raios...
 
No Brasil, segundo os dados do INPE, metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro apresentam uma quantidade de raios muito superior aos dados do século passado. Isso sem mencionar a quantidade de descargas elétricas que partiram do solo em direção às nuvens!  

Os fins de tarde têm apresentado, com frequência, rajadas fortíssimas de vento que balançam janelas e provocam, em poucos minutos, a queda de árvores centenárias, problemas na fiação dos postes e muito mais. As previsões feitas por esses cientistas afirmam que até o final deste século teremos o dobro de enchentes de grandes proporções o que acarretará problemas das mais variadas ordens.
Seria uma resposta de GAIA aos seus parasitas?
 
Uns afirmam ser o tal aquecimento global o culpado por todas as alterações climáticas que aí estão, enquanto outros (uma minoria) dizem que ele não existe.
 
Bem, o fato é que evidências científicas mostram dados fiéis que indicam um rápido aumento da temperatura global. Neste contexto, o ser humano é o protagonista da situação perigosa em que se encontra o planeta, e que isso não é apenas mais um processo natural em andamento.
Sim! A Terra passa, naturalmente, por períodos de aquecimento e de resfriamento. São ciclos naturais.
 
Podemos até continuar a discutir as variações de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, relacioná-las às médias de temperatura para um mesmo período passado e compará-las com os dados atuais. Contudo, o que já sabemos é que quando a temperatura global começa a aumentar, a concentração de CO2 aumenta também e vice-versa; e esses dois fenômenos se realimentam há séculos e sempre se alternam.
 
Porém, quando atualmente nos referimos ao aquecimento global não estamos tratando dos ciclos naturais pelos quais a Terra passa. Estamos sim, relacionando os impactos das atividades humanas que incrementam o aquecimento global (artificial e adicional) àquele já provocado por ciclos naturais de resfriamento e aquecimento.
 
Segundo dados do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), existem hoje 400 ppm* de CO2 na atmosfera comparados com 300ppm* nos séculos anteriores à revolução industrial.
 
Portanto, concluímos que o homem não é quem gera o aquecimento global, que é um fenômeno natural, mas é ele quem contribui, a passos largos, para acelerar este aquecimento.
 
A última década apresentou a média de temperatura mais alta da história do planeta e mostra que o clima está mudando rapidamente. É esperado que a temperatura global aumente de 2 a 6 graus Celsius até o final do século.
 
Então, não podemos dizer, simplesmente, que devemos nos adaptar às mudanças. Temos a obrigação de reduzir significativamente nossas atividades industriais começando por diminuir, imediatamente, o consumismo descontrolado que contribui com grande parcela para essas alterações climáticas. Reformular velhos hábitos pode parecer pouco quanto à contribuição individual que podemos dar, mas se somarmos nossos esforços, o total destas atitudes renovadas nos mostrará que podemos direcionar melhor nosso futuro.
 
E o que esperamos para o Brasil? Que os governantes se comprometam, verdadeiramente, na implantação e execução de políticas públicas sérias! Que a educação seja realmente levada a sério! As gerações economicamente ativas, que já se estabeleceram, estão corrompidas e devemos, portanto, reformular o plano brasileiro para o futuro que queremos.
 
Já parou para pensar no que está acontecendo com a Amazônia, o Cerrado e o nordeste do nosso país? As previsões não são nada animadoras. A floresta amazônica está se transformando em áreas de pastagens tendo sua biodiversidade totalmente arrasada pelo agronegócio. E quem pode afirmar que ela não se transformará em uma enorme savana? Seu clima e, até o de todo o território nacional, pode ser definitivamente alterado. O cerrado é explorado e devastado sem nenhuma responsabilidade e o nordeste, em breve, será uma grande área desértica. Diminuirão as chuvas, e o sudeste e o sul do país também sofrerão severas consequências.
 
Há futuro para um sistema capitalista onde a economia está permanentemente em conflito com a natureza?! Como mobilizar pessoas do mundo todo e fazê-las entender que precisamos mudar a civilização atual por uma que tenha hábitos mais sustentáveis? Não precisamos fazer voto de pobreza para que isso aconteça. Talvez uma boa sugestão seja aderirmos ao consumo consciente e uma distribuição de renda mais justa e equitativa entre as diferentes classes da sociedade mundial, para chegarmos a uma única classe.
 
Utopia?!!!! Não! Necessidade. Ou todos, sem exceção, seremos apenas um capítulo indigesto na história de Gaia.

* ppm – partes por milhão

domingo, 9 de setembro de 2012

O homem da toca e o homem da oca.



Colaborador Roberto Rocha
 
Recentemente, examinando mapas da América do Sul observei que a Amazônia é o principal centro de megadiversidade do planeta. As grandes áreas verdes concentradas ao longo da bacia amazônica me induziram a perguntar: por que o Norte? Por que não o Sudeste? A resposta veio rápida: isolamento e abundância de água ! Perfeito ! Os organismos precisam de água para manter suas trocas metabólicas em meio às organelas, células, tecidos, órgãos, sistemas e qualquer outro tipo de organização viva. Considerando não só o volume mas também a qualidade, poderíamos também incluir o Brasil Central, não fosse o arraso florestal para o agronegócio que descaracterizou boa parte de sua original estrutura. A prática do "arraso" foi trazida para o Brasil pelos europeus, como opção rápida e objetiva para a implantação de culturas de interesse econômico imediato.  O modelo dos  europeus autênticos - o povo da toca - continuaria a ser usado nos séculos seguintes, desta vez também pelos eurodescendentes, um genoma já diferenciado de sua origem boreal (do Norte) porque a cor da pele, o cabelo, a estatura, a cor dos olhos, o modo de falar, o consumo de alimentos - os mais diversos - teriam um impacto significativo na formação do "brasileiro". Os povos autênticos dos trópicos - o homem da oca - não tinham a preocupação de plantar e colher em grande escala. Não precisavam de dinheiro e nem de acumular bens. Os seus "bancos" eram de madeira, artisticamente trabalhados, com base em tradições milenares, e quem sentava neles eram os tesouros em forma de gente, o pequeno curumim. A sabedoria de muitos séculos era passada para cada um deles, sem escolas formais, nem professores remunerados. Apenas a voz no silêncio da mata; interrompida por algum canto de ave, na observação atenta do entorno, rico em biodiversidade, plantas medicinais, ar puro, solo sem agrotóxicos. Alimentos de cores variadas, animais abatidos, penas coloridas, urucu e jenipapo. Danças, lutas e torneios. Que riqueza! E ainda os chamavam de "incivilizados"! Os mais sanguíneos foram abatidos porque versava na época que eram belicosos e que ameaçavam as aldeias. A idéia de "invasão" de território alheio não era cogitada porque na verdade tratava-se de uma "colonização".   Seria certamente algo eticamente correto considerando-se as convicções do momento e do contexto histórico vivido. Podemos hoje criticar tais acontecimentos, mas isso seria inviável para uma Europa que fervilhava em idéias de um tempo moderno. O mercantilismo era a prática do momento. A renascença era algo distante para um país de tradições indígenas de milhares e milhares de anos. Os "índios" viveram aqui todo esse tempo e preservaram todos os nossos biomas. A cobertura florestal brasileira em 1500 era algo invejável. A convivência com a cultura européia modificou drasticamente a biodiversidade brasileira em pouco mais de 500 anos. A cultura africana tribal era semelhante a dos nativos mas também foi influenciada pelos homens da toca, ou homens das cavernas. Essa alusão prende-se ao fato de que os hominídeos primitivos ocupavam as tocas de animais carnívoros porque ali tinham um abrigo seguro onde uma única entrada poderia ser vigiada e defendida com maior facilidade. Os indígenas construíam suas "ocas" com material reciclável, da própria natureza. O brasileiro de hoje é um rico repositório de variados genes e culturas adaptadas. O homem da oca perdeu boa parte do seu território para o homem da toca. Suas pequenas "vilas" foram substituídas pelos tijolos de concreto fumegantes, pela impermeabilização do solo, pela substituição das flores naturais por flores e folhagens de "plástico", perfeitas... Como dizer que todas essas conquistas não nos tornaram mais felizes? Você não é feliz? O que importa se uma cultura de mais de 20.000 anos foi relegada? Nós vencemos! Estamos por aqui com a nossa avançada tecnologia. Com fertilizantes que permitiram explodir a população do mundo e somente um bilhão de pessoas ainda vive na linha da miséria. O aquecimento global é uma invenção de alguns cientistas malucos. Estamos resgatando todas as espécies ameaçadas da Terra. Nossa longevidade aumentou e podemos até substituir nossos órgãos defeituosos originais por peças mecânicas certificadas. Qual o mal de tudo isso? É apenas uma questão  de estratégia de sobrevivência! Vence o mais ardiloso. O mais astuto. O mais bem equipado. O mais bem armado. A questão é que um oceano isolou por muito tempo duas culturas distantes, que resolveram seus problemas com modelos muito diferenciados. Infelizmente os europeus, homens da toca e do gelo, não tinham conhecimento da cultura indígena e de sua sábia maneira de explorar os recursos da terra sem ter que derrubar as florestas intensamente. Foi, e continua sendo, o maior equívoco de uso racional de todo um continente. Embora com uma tecnologia avançada não sabemos como cada bioma tropical funciona. O conhecimento e a valorização dos serviços dos ecossistemas ainda não são prioridades dos modelos de produção. Continuamos apostando no NPK e nos agrotóxicos, no desmatamento de florestas complexas para serem substituidas por monoculturas e criação de animais da Eurásia. Sou um homem da toca! Mas tenho um respeito e uma admiração, sem limites, pelos homens da oca. O pó de cada antepassado deles está aqui, com certeza. A água dos seus corpos circula nos rios, nas nuvens e na estrutura de cada organismo desse espaço. Os meus ancestrais ficaram em outras terras, além do oceano, num país frio, ao Norte...

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Existe uma separação entre o homem e a natureza?


Roberto Rocha

Os hominídeos da pré-história não tinham o domínio da ciência e das artes como conhecemos hoje.  No entanto, deviam perceber nuances da natureza que, nós – Homo sapiens mais “modernos” – esquecemos ou anestesiamos com luzes e cores muito fortes e apelativas e sinais rápidos e convincentes.   É possível que ainda na Idade Antiga existisse uma busca pela compreensão do que seria a natureza, habitada por seres que sentiam (mundo orgânico), e não por peças frias, como ocorreria nos séculos seguintes.
A idéia aristotélica de natureza como algo animado e vivo, na qual as espécies procuram realizar seus fins naturais, é substituída pela idéia de uma natureza sem vida e mecânica. A natureza de cores, tamanhos, sons, cheiros e toques, é substituída por um mundo “sem qualidades”. Um mundo que evita a associação com a sensibilidade (GRÜN, 2000, p. 27).
O mecanicismo substituiria essa idéia inicial e novas contribuições seriam incorporadas através da participação dos grandes pensadores da época, tais como Galileu Galilei (1564-1642), Francis Bacon (1561-1626), Descartes (1596-1650) e Isaac Newton (1642-1727). A revolução científica traria contribuições relevantes para orientar a nova ordem social e econômica.
A modernidade teria René Descartes como principal mentor da objetivação da natureza em sua tentativa de dominá-la e, ao mesmo tempo, manter a autonomia da razão (sujeito).
A física newtoniana, por sua vez, influenciará a educação:
A possibilidade de uma descrição da natureza estabelecida pelo programa newtoniano não define um simples conceito de natureza. Esta possibilidade define um modelo de interpretação do mundo sustentado no modelo explicativo mecânico-causal. O modelo atomístico reducionista irá estabelecer as estruturas conceituais dos currículos e, mais do que isso, ele passará a ser a única forma possível de conceber a realidade. De um certo modo ele passa a ser a própria realidade. Neste período todo um corpo de saberes ecologicamente sustentáveis é deixado de lado no currículo por não ser científico, ou seja, por não ser mecanicista (GRÜN, 2000, p. 41).
Segundo Prigogine (1991 apud GRÜN, 2000, p. 57) “a mecânica clássica negou as questões mais “evidentes” que a experiência das relações dos seres humanos com o mundo suscita porque era incapaz de lhe dar um lugar”. O abandono do modelo cartesiano-newtoniano na educação e a sua substituição por práticas mais amplas tornar-se-á uma tarefa hercúlea. Um dos motivos que explicam esse reducionismo ainda em nossos dias é a dificuldade de concebermos o meio ambiente como um “todo” preferindo a dualidade fictícia homem-natureza como se ela fosse real.
Reigota (1994) explica que os conceitos científicos sobre o que seja meio ambiente “são de conhecimento geral pelos pesquisadores”.  No entanto, o senso comum também elabora suas definições com base em preconceitos e ideologias, surgindo assim diferentes definições sobre um mesmo tema. 
Ao examinarmos as definições populares que procuram explicar o que seja meio ambiente uma das mais comuns é: “tudo que nos envolve”!  Como se nós não estivéssemos fazendo parte do mesmo contexto.  Algo que está afastado de nós, como se não nos afetasse diretamente. Nós estamos aqui, e a natureza está lá! Quando precisamos dela, nós a usurpamos. Apesar disso, definições mais recentes como a que foi apresentada no documento de Tbilisi (UNESCO, 1980), inclui os valores humanos em sua recomendação n. 2: “o conceito de meio ambiente abrange uma série de elementos naturais, criados pelo homem, e sociais da existência humana, e que os elementos sociais constituem um conjunto de valores culturais, morais e individuais, bem como de relações interpessoais no trabalho e nas atividades de lazer”. Mesmo nessa abordagem mais ampla, o homem não está – claramente – sendo chamado de “ambiente”, e os elementos parecem estar classificados em categorias diferenciadas.    
Apesar de vivermos em pleno século XXI, permanecem ainda presentes diversos conceitos que procuram explicar um mesmo tema, causando assim alguns equívocos. As leituras fragmentadas dificultam a compreensão do meio ambiente como um todo. A abordagem do assunto a partir de uma vertente socioambiental exige uma profunda reflexão sobre os nossos procedimentos atuais: “os problemas que o cartesianismo coloca para a educação ambiental são problemas que enquanto não tratados comprometem as próprias condições de possibilidade da educação ambiental” (GRÜN, 2000, p. 58).
            Ao afirmarmos “somos ambiente” a mensagem soa mal aos ouvidos porque temos dificuldades em aceitar que quase todo o nosso corpo é feito de água, sais minerais, gases e outras substâncias. Nosso orgulho de ser uma criatura inteligente nos afasta da simplicidade e do banal, por nos considerarmos especiais. No entanto, é na morte que percebemos nossas reais limitações e vamos nos juntar à terra outra vez. Voltar a ser um verme, ou um fungo, como éramos antes de assumir nosso corpo. “Nossa” água e nossos sais vão vagar por aí. Quem sabe, subir  pelas raízes das plantas, e se instalar em algum fruto ou folha, que irão fazer parte da refeição de alguém? Vamos voltar ao pó, de onde viemos!  Enquanto isso não acontece, continuamos iludidos de que realmente fazemos diferença no mundo. Que o mundo nos pertence e existe somente para nosso uso e deleite. Na ânsia de criar e produzir estamos desrespeitando regras de ouro, que nos convidam a viver em harmonia, em cooperação, mas não exatamente com o extermínio da nossa própria espécie e das outras, numa competição acirrada pelo poder e domínio. Acordar é preciso! Mas não de nosso sono corriqueiro.  Precisamos acordar de uma  viagem equivocada que se dirigiu para um ponto fictício, onde corremos um grande risco de chegar e encontrar nele apenas decepção e sofrimento.

   REFERÊNCIAS

 GRÜN, Mauro. Ética e educação ambiental: a conexão necessária. 3 ed. São Paulo: Papirus, 2000.

REIGOTA, Marcos. O que é educação ambiental. São Paulo: Brasiliense, 1994.

UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization). La educacion ambiental: las grandes orientaciones de la Conferencia de Tbilisi. Paris: ONU, 1980.


domingo, 6 de maio de 2012

As florestas: modelos complexos de organização, sobrevivência e uso do espaço.

Ao penetrarmos numa floresta é comum sentir uma sensação de algo um tanto estranho aos nossos olhos tão acostumados com as linhas retas do concreto e o preto das impermeabilizações betuminosas. As florestas nos dão a sensação de paz e a presença de energias suaves que nos convidam à meditação e à aproximação com o sagrado. O ar úmido e ameno não nos lembra o ambiente das avenidas movimentadas e o barulho de conversa alta ou aos gritos, para chamar a atenção de algo supérfluo e dispensável. Na floresta o silêncio é uma questão de sobrevivência. Cada canto, cada som e cada ruído, têm um significado e uma mensagem para quem possa percebê-los. As cidades também são cheias de ruídos, muitos sons, numa parafernália que se apresenta como organizada, mas que retrata uma desesperada necessidade de convencimento de que algo é indispensável a sua vida. Nas florestas não existem apelos. Os nascimentos e as mortes ocorrem de modo imperceptível, fora alguns gemidos, com o mínimo de alardes nesses acontecimentos tão especiais. Nas cidades temos lugares para nascer e para morrer, chamados de maternidades e cemitérios. Não existem cemitérios em lugares especiais nas florestas. O conceito de cemitério é do homem. Com epitáfios e monumentos, ou apenas envolvido num pano barato, acomodado num buraco raso, com ou sem lágrimas. Nascer e morrer numa floresta é reciclar matéria e fazer fluir a energia, sem grandes sentimentos. Alguns insetos sociais possuem comportamentos semelhantes aos dos homens, como as formigas, em suas cidades de barro, com túneis escavados, depósitos de alimentos, ventilação etc. Muitas coisas nós poderíamos aprender com elas. Quando se movem, parece haver um maestro invisível que comanda a todos, sem erros. Não há lixo nos caminhos. Os resíduos são todos imediatamente tratados para o bem-estar de todos, como uma necessidade urgente. Algumas cidades possuem também seus sistemas sanitários, mas nem todos são tão eficientes. Do ponto de vista social somos um tanto diferentes das formigas e de outros animais porque lidamos com questões morais. Por exemplo, nossa cultura nos impregnou com a idéia de que urina e fezes são abomináveis, causam mau cheiro, não são agradáveis de ver. Os animais às vezes também urinam em determinados locais, mas não se preocupam com atentados ao pudor. Esvaziam suas bexigas por razões gravitacionais e fisiológicas como nós, e todos aqueles nutrientes serão logo usados por outros seres menores, como alimento. Dejetos são alimentos! Criam novas vidas. São verdadeiras dádivas divinas nas florestas, que alimentam milhões de decompositores que não vemos. Nas cidades os dejetos são repudiados. Mas já temos alguns humanos que aproveitam esses resíduos pastosos para produzir gás e como fertilizantes naturais. A floresta faz isso há milhões de anos. Nós é que não valorizamos tais soluções. Intitulamo-nos civilizados e inovadores, mas apenas copiamos o que outras criaturas “insignificantes” já sabem fazer com sucesso absoluto. Mas como explicar ao nosso ego que somos frágeis e ignorantes? Que somos apenas copiadores imperfeitos e envaidecidos? Da Vinci já sabia disso. O gênio foi um imitador perfeito da natureza, ela sim, a verdadeira fonte de soluções e modelos para nos ensinar o que fazer e como resolver situações que afligem a nossa espécie.  Nas florestas ninguém é superior a ninguém. Todos possuem as mesmas chances para serem convidados a fazer parte da “festa da natureza”. Cada um tem seu espaço e sabe o que fazer nele. Respeita o outro. Pode até mesmo matá-lo, mas não existe nisso nenhuma maldade, nem crime, nem ódio ou desavença guardada. As florestas são lugares sagrados e todas as suas criaturas são deuses. A floresta funciona como uma orquestra de milhões de músicos, cada um tocando um instrumento diferente, ao mesmo tempo; mas ninguém se perde e segue uma pauta invisível, sem desafinar. Quem sabe possamos ser, num futuro próximo, uma grande orquestra e esquecer de uma vez por todas as cidades desumanas e caóticas? Menos prédios e mais educação? É uma questão de ferragens, concretos e cálculos ou de relacionamentos entre seres? Onde erramos? As florestas se renovam automaticamente se não houver interferência humana. Nas cidades os prédios antigos começam a desabar e terão que ser demolidos e substituídos, mais cedo ou mais tarde. Em pleno século XXI estamos nós ainda repetindo modelos comprovadamente obsoletos. Que modelos seguir para as novas cidades? Se perdermos as florestas nós não vamos perder apenas árvores. Vamos destruir um dos mais perfeitos modelos de convivência complexa e organizada da Terra. Uma verdadeira escola de sobrevivência no caos. Não existe preço para esse conhecimento acumulado por tanto tempo, tão vitorioso. Mas nós mal conseguimos ver uma árvore, um bicho, um rio. E quando vemos, não entendemos o que está por trás de tudo isso. E meio perdidos, vamos seguindo o brilho das luzes ofuscantes que as máquinas pipocam nos nossos rostos. Os sons que rebentam os nossos tímpanos e as drogas que confundem as nossas mentes e deturpam os cheiros. E assim, deixamos de ver as estrelas com suas luzes distantes e cintilantes; não sentimos mais o perfume da floresta, e vagamos ansiosos em busca do poder e do ter. Precisamos resgatar esses caminhos naturais e nos voltar mais para nós mesmos, mas não num sentido exclusivamente egoísta. É uma questão de perceber e reconhecer que somos a própria natureza em movimento. E assim sendo, podemos nos comportar como ela, em busca da harmonia e dos ajustes necessários. Se a natureza é obra de Deus e nós somos também natureza, nada nos impede de sermos quase divinos, quase bondosos, quase amorosos, quase justos, quase éticos, e quase qualquer coisa. Na impossibilidade de sermos absolutamente perfeitos, por causa da nossa essência humana, vamos galgando nossa montanha de sonhos, evoluindo nessa caminhada, em busca desse topo ideal. Mas como diz a frase: para caminhar é preciso dar o primeiro passo... E você, onde está nesta montanha?   

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Dos avanços do espírito e da necessidade de um equilíbrio materialista


Colaborador Roberto Rocha

 O método científico trouxe para a humanidade uma nova maneira de ler e de tentar compreender o mundo e a nós mesmos. Veio apresentar a ilusão das certezas comprovadas experimentalmente, substituindo imaginações sobrenaturais. O próprio nome imaginação nos lembra ”imagens” ou “coisas que construímos com o pensamento”, mas que nem sempre temos provas contundentes de sua real existência. Na experimentação essas dúvidas precisam ser dissecadas e compreendidas para que não inviabilizem o próprio método. Ao se permitir que algo ou uma teoria possa ser “demonstrada”, “várias vezes”, “sempre com os mesmos resultados”, o que se pretende é reafirmar que existe uma coerência na idéia inicial e que ela pode também ser percebida em outros campos, e não somente engendrada em nossas conjecturas particulares. Num mundo de percepções rápidas e diversificadas como esse do início do século XXI, às vezes, nem sempre é fácil, concentrar as nossas atenções em temas mais “espiritualizados”, e persistir nele, porque os deslumbramentos e apelos fortes nos levam para o mundo das impressões efêmeras e passageiras. A ciência e seus métodos nos mostraram a importância da observação, e ela mesma nos concedeu a capacidade de construir máquinas mirabolantes que nos dão a sensação de um poder muito além de nossa capacidade natural e simples de sentir o mundo e seus elementos. Nosso cérebro parece gostar de desafios e novidades; e tanto mais, quando fogem dos parâmetros regulares e seguros que o bom senso recomenda. Com alguns ou muitos riscos, enveredamos em campos estranhos e espaços escuros, desconhecidos, buscando o novo e as surpresas inesperadas. Gostamos de nos surpreender a cada momento, e isso, parece reforçar a certeza de que estamos vivos e atuantes, o que parece razoável. No entanto, também podemos extrapolar esses desejos e aventuras, causando tristezas e mortes a muitos, o que também não parece ser sensato e nem eticamente correto. Resta-nos uma reflexão profunda sobre esse caminho que tomamos como Norte. Saber se devemos seguir realmente em frente, ou ainda, se não será melhor refazer a trajetória ao contrário, e buscar nossas raízes abandonadas onde estão as verdadeiras fontes da eterna procura humana pela felicidade. Quanto mais rapidamente caminharmos para diante, sem maiores reflexões, mas dolorosa será a senda do resgate. Fora isso, devemos também desconfiar se a negação dessa possibilidade pode estar patologicamente associada a algum tipo de desvio comportamental global da criatura humana, certamente injusto e insano. Quem sabe a solução para todos esses dilemas seja um maior investimento na nossa própria espiritualização, tão ausente e distante das nossas conversas rotineiras, direcionadas para os lucros e perdas materiais, dissociadas do sagrado e das luzes que iluminam outros caminhos que não esses tão fugazes e tão passageiros?...                

sexta-feira, 23 de março de 2012

Rio +: um mundo mais verde, mais cooperativo e mais fraterno.


 Colaborador: Roberto Rocha

Estamos no meio de uma tempestade global, de revoltas ondas, ventos fortes, frio intenso, tsunamis e furacões.  Multiplicamos as simplificações ecológicas extensas e monoculturais. Insistimos em replicar nosso DNA econômico e injusto, centrado no lucro rápido e imediato, favorecendo a poucos em meio a muitos. Usamos a antiga retórica para convencimentos estudados, acreditando que a ética pode transgredir, volta e meia, dependendo da situação e do momento. Enquanto a água rareia, e os oceanos são esvaziados em seus estoques biológicos, as aves já não têm mais onde pousar. As bactérias agro-intoxicadas pelo solo, se retorcem, agonizando entre cadáveres semi-decompostos; retendo nutrientes que deveriam retornar em novos corpos vivos da superfície, para manter a necessária e insubstituível homeostase. Mas quem se importa com sistemas complexos? Simplificar, eis a questão! Exatamente num mundo que sempre funcionou com base na complexificação, muito antes de existirmos como espécie pensante. Vivemos uma situação paradoxal, convictos que estamos cientificamente corretos, até que nos provem o contrário. Provar o quê? Que nossa água está ameaçada? Que nossos rios estão secando? Que as florestas estão sendo exterminadas? Que a futilidade artística é incentivada pela raridade de inspirações espiritualizadas? Que a miséria ainda existe em boa parte do mundo, escondida nas sombras da indiferença? Entre peles magras, ossos pontudos, moscas insistentes e olhares tristes, uma parte do mundo agoniza! No mundo econômico, os dígitos também sofrem suas baixas e ameaçam a economia global com desemprego e desesperança. Antes, éramos ameaçados por guerras frias e mundiais, exterminadoras de pessoas e cidades. Mas hoje não precisamos mais de “ameaças” porque “os fatos já são reais”! Quem duvida que a biodiversidade da Terra esteja sendo reduzida drasticamente? Só as pessoas desinformadas não sabem disso!  E o mundo tenta acabar com o analfabetismo reinante, até 2015, conforme consta dos Objetivos do Milênio. Pregamos o “desenvolvimento”, mas não conseguimos, nem mesmo, a garantia de que o cérebro mais evoluído do planeta possa se manifestar em todas as suas potencialidades, universalmente!  E o que falar das garantias de manifestação biológica das criaturas ditas “incivilizadas”? Boa parte dos grandes vertebrados que ainda vive entre nós, estará extinta até 2050! Estamos descobrindo espécies novas e, ao mesmo tempo, estamos reconhecendo que elas terão um futuro sombrio. Somos o único ser terrestre que, apesar de ser constituído totalmente de elementos biológicos, deseja - cada vez mais – estar mergulhado num mundo artificial, fictício e deslumbrante, com suas cores distorcidas e inebriantes. Será esse mesmo o futuro que queremos? Queremos para quem? Vamos continuar apostando no modelo deletério do século XX?  A Agenda 21 foi apenas “uma proposta” ou um compromisso? Quanto realmente nós progredimos?  Ou será que vamos nos reunir, mais uma vez, para propor uma Agenda 22?

sexta-feira, 2 de março de 2012

Estocolmo, Rio 92, Rio + 10, Rio + 20, Rio...


Colaborador Roberto Rocha

Vamos nos reunir outra vez. Exatamente quando o mundo passa por alguns desafios e enfrentamentos. Será que estamos numa encruzilhada para definir enfim que rumo tomar? Ou ainda estamos indecisos? Os temas selecionados para a Rio+20 não estão ali por acaso. Eles refletem e apresentam uma série de eventos que acumulamos nos últimos séculos, sob a argumentação de que seríamos mais felizes e mais realizados. Não é isso que desejamos? Ou não é?  A pergunta óbvia: desde a Revolução Industrial até hoje, nós realmente conseguimos ser mais felizes e mais realizados? Fomos acumulando uma série de vitórias através da união dos povos? Produzimos alimentos cada vez mais saudáveis e livres de drogas químicas tóxicas, desde a descoberta da agricultura e da pecuária? O que temos feito com a água? Ela tem sido uma dádiva dos céus repartida por todos os povos da Terra? Abundante, límpida, sem impurezas que afetem qualquer criatura, mesmo as mais sensíveis? Como temos nos apropriado da energia do Sol? Demos prioridade apenas àquelas "guardadas" nos depósitos fósseis? Ou temos fontes alternativas limpas e seguras?  Produzimos de forma a sustentar os serviços dos ecossistemas sem que eles sejam comprometidos para que continuem a nos oferecer - de graça - tudo que precisamos? A conservação da biodiversidade da Terra - base para que os serviços ambientais sejam saudáveis - é sempre uma prioridade em qualquer país do mundo?  Neutralizamos ou damos destino adequado, a todos os resíduos tóxicos e despejos que produzimos? Os principais postos de trabalho do paiz estão concentrados em setores onde as pessoas (a grande maioria, ressalte-se), mesmo não possuindo pós-graduação, consegue viver feliz e realizada? Homens e mulheres têm os mesmos direitos? Tratamos o solo que usamos para as nossas atividades como algo sagrado e fundamental para as futuras gerações? Ou somos "indutores de desertos"? As matas ciliares, que protegem as margens dos rios, são nossas aliadas ou nossas inimigas? Nossas cidades são planejadas de modo equilibrado, com base em inovações e soluções naturais, para que atendam a "todas" as classes socias com o mesmo nível de qualidade? Devolvemos para os oceanos e mares a água doce limpa que ele nos envia através das nuvens? Ou tratamos os oceanos com descaso e indiferença, mesmo que ele nos ofereça serviços de produção de oxigênio, lazer, transporte, alimento e tantos outros?  Nossos investimentos são no sentido de construir um mundo de harmonia, através da educação? Ou cultivamos a guerra e a insegurança como mecanismos de controle? Enfim: vamos ter mais uma chance. O mundo terá mais uma oportunidade. Outra vez vamos ouvir propostas e promessas. A questão é que o tempo está passando. A primeira reunião foi em 1972 em Estocolmo. Depois veio a série Rio: Rio 92,  Rio + 10 (2010, em Johhanesburgo) e agora, 2020, outra vez no Rio. Por que não fizemos o "trabalho de casa" mundialmente falando? Ou fizemos mal? E se não fizemos, quem nos alertou para nossa negligência global? Quem nos corrigiu? A maioria da população sabe o que seja a Rio + 20? Está preocupada com isso? Você - que está lendo este texto - sabia que os temas que estão colocados aqui, são os temas que vão se discutidos na Rio + 20? Voce acha que eles são importantes? Sua profissão ou atividade pode contribuir para que esse problemas sejam sanados? Em caso positivo, participe de alguma forma. A falta de participação tem feito com que as metas propostas estejam muito aquém do que foi pretendido alcançar. Pelo não cumprimento dos termos ou insuficiente participação de cada país, cada estado, cada município e cada cidadão, continuaremos a série Rio +  com as mesmas "choradeiras", as mesmas lamentações, as mesmas desculpas, as mesmas promessas. O que virá então? Rio + 25? Rio + 30? Rio + 50? Rio + 100? Só o tempo dirá! Quem sabe, os nossos netos e bisnetos,  possam escrever novos artigos falando do mesmo assunto, mas dessa vez, referindo-se a um momento histórico, do passado, que foi devidamente corrigido? Que eles possam contar o quanto fomos irresponsáveis e como é que conseguimos "dar a volta por cima" através da harmonia, da cooperação e do amor entre os povos e entre as pessoas. Pode ser um sonho! Mas dos sonhos podemos partir para as realizações e com as realizações coerentes, poderemos ser, finalmente, mais felizes e realizados.















sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Os idosos e o tempo


Colaborador: Roberto Rocha

A preocupação com o tempo sempre esteve presente em nossas vidas. Usamos os segundos, os minutos, as horas, os dias, os anos, etc. Tudo perfeitamente convencionado. Se é uma convenção humana, certamente é falha, mesmo com toda a tecnologia atual. Não sabemos tudo. Justamente por isso, não devemos afirmar que o que fazemos está exatamente correto. Essa limitação se mantém através de um sistema que privilegia a sua aplicação para atender os nossos interesses mais urgentes: estou atrasado! Tenho uma reunião às 10! A barca sai às duas horas! Você chegou cedo demais! Estou ficando velho! E assim vai. O tempo para os neonatos é uma "mamada" e a boca cheia de leite!. O tempo para os infantes é explorar o entorno, um tanto  inseguro, mas sabendo que pode correr para os braços da mamãe se algo for muito "assustador"! O tempo para os jovens, é lidar com seus hormônios em meio a uma série de dúvidas em relação ao futuro. Os adultos esperam do tempo alguma recompensa mais duradoura. Os idosos já se acostumaram com o tempo e não guardam tantos sonhos mirabolantes, e procuram estabelecer na vida, um padrão compatível com as suas estruturas físicas, psicológicas e econômicas. Mas o tempo também passa para as plantas, para os animais, para os rios, para os lagos, para as cidades, para os prédios. A diferença está em que, nos humanos, existe uma percepção mais imediata dos sinais e sintomas do tempo. Mas como avaliar e interferir nos sintomas do envelhecimento das cidades? Quando passo pelo centro do Rio de Janeiro, vejo algumas datas nos topos dos prédios, muitas delas, do inicio do século XX. Mas que diabo! Já estamos no século XXI! Como tudo passou tão rápido? Já sou "sênior"! Os prédios deveriam ter também  uma carteira de "idoso", devidamente cadastrados e mapeados na cidade. Onde será que eles são mais comuns? Com que material foram construídos? Será que a assistência deles é igual a dos idosos humanos? São respeitados? Fazem exames periódicos com seus especialistas? Recebem assistência de qualidade? Fazem plástica? Tiram os excessos e corrigem as cicatrizes? Quantos "predidosos" você já viu pela cidade? Será que eles sofrem de osteoporose? Ficam com suas estruturas frágeis e corroídas? Tomam cálcio e vitaminada D3 profilaticamente? É verdade que os idosos estão cada vez mais bem atendidos. O Brasil será, dentro em breve, um país de idosos. Mas não somente de idosos humanos. Será um país de prédios antigos, a maioria nas grandes cidades, sem grande histórias, diferentemente do que aconteceu na Europa. Não foram construídos na Idade Antiga ou na Idade Média. São "velhinhos" quase contemporâneos, ilustres desconhecidos! Embora sejamos um país europeizado por excelência, guardamos também raízes africanas exóticas, com influencias em nossas danças, comidas, vocabulário, etc. Nossos indígenas também não faziam construções para durar um século. Os humanos da pré-histórias viviam muito pouco. Apenas o tempo para reproduzirem e criarem alguns descendentes. Suas construções eram também de pouca duração. Com as novas tecnologias aprendemos a viver mais: nós e os prédios. No entanto, sem prevenção, estaremos todos vulneráveis. Nós, os "humanidosos" e também os  "predidosos". Já não consigo pular como no passado. As estruturas estão afetadas. Com algum trato ainda posso "durar" um pouco mais. E o que dizer das construções que já têm mais de 100 anos? Os prédios são muito semelhantes aos humanos. Eu ainda não tinha percebido isso! Mas repare só: um prédio com oitenta anos e um idoso com a mesma idade? Vejam os neonatos, infantes e jovens prédios "crescendo" no meio dos adultos e dos antigos! Será que têm algo a aprender? O que fazer com os prédios que vão morrer? Terão um enterro digno? Algum epitáfio marcante? Serão reconhecidos? Eles, os prédios;  e nós, os humanos. Quem sabe uma estátua de material sem valor econômico? Com o tempo, o que restará serão apenas registros fotográficos, em algum álbum de família ou museu histórico. E aquele clássico comentário esse "austero bigodudo" aqui, era o seu bisavô! Essa mulher "recatada", era a sua bisavó! O que dizer dos prédios "austeros" e das construções "recatadas"? Ao observar as obras de arte dos prédios antigos e os tijolos unidos com óleo de baleia, não deixo de sentir alguma nostalgia. O aço especial talvez não venha a sofrer tanto com a corrosão interna. Não precisamos mais, matar baleias para iluminar as cidades e construir novas edificações. No entanto, fica a preocupação: o que fazer com os "predidosos"? Que solução mágica - seja ela de qualquer cor - fará retornar o "brilho" nos olhos, do passado? A sensação de poder? A sultuosidade? Quando vejo um "velhinho" abandonado, lembro dos prédios que foram "esquecidos". Que histórias viveram? O que teriam para contar? Quem os substituirá? O tempo dirá...