sexta-feira, 1 de junho de 2012

Existe uma separação entre o homem e a natureza?


Roberto Rocha

Os hominídeos da pré-história não tinham o domínio da ciência e das artes como conhecemos hoje.  No entanto, deviam perceber nuances da natureza que, nós – Homo sapiens mais “modernos” – esquecemos ou anestesiamos com luzes e cores muito fortes e apelativas e sinais rápidos e convincentes.   É possível que ainda na Idade Antiga existisse uma busca pela compreensão do que seria a natureza, habitada por seres que sentiam (mundo orgânico), e não por peças frias, como ocorreria nos séculos seguintes.
A idéia aristotélica de natureza como algo animado e vivo, na qual as espécies procuram realizar seus fins naturais, é substituída pela idéia de uma natureza sem vida e mecânica. A natureza de cores, tamanhos, sons, cheiros e toques, é substituída por um mundo “sem qualidades”. Um mundo que evita a associação com a sensibilidade (GRÜN, 2000, p. 27).
O mecanicismo substituiria essa idéia inicial e novas contribuições seriam incorporadas através da participação dos grandes pensadores da época, tais como Galileu Galilei (1564-1642), Francis Bacon (1561-1626), Descartes (1596-1650) e Isaac Newton (1642-1727). A revolução científica traria contribuições relevantes para orientar a nova ordem social e econômica.
A modernidade teria René Descartes como principal mentor da objetivação da natureza em sua tentativa de dominá-la e, ao mesmo tempo, manter a autonomia da razão (sujeito).
A física newtoniana, por sua vez, influenciará a educação:
A possibilidade de uma descrição da natureza estabelecida pelo programa newtoniano não define um simples conceito de natureza. Esta possibilidade define um modelo de interpretação do mundo sustentado no modelo explicativo mecânico-causal. O modelo atomístico reducionista irá estabelecer as estruturas conceituais dos currículos e, mais do que isso, ele passará a ser a única forma possível de conceber a realidade. De um certo modo ele passa a ser a própria realidade. Neste período todo um corpo de saberes ecologicamente sustentáveis é deixado de lado no currículo por não ser científico, ou seja, por não ser mecanicista (GRÜN, 2000, p. 41).
Segundo Prigogine (1991 apud GRÜN, 2000, p. 57) “a mecânica clássica negou as questões mais “evidentes” que a experiência das relações dos seres humanos com o mundo suscita porque era incapaz de lhe dar um lugar”. O abandono do modelo cartesiano-newtoniano na educação e a sua substituição por práticas mais amplas tornar-se-á uma tarefa hercúlea. Um dos motivos que explicam esse reducionismo ainda em nossos dias é a dificuldade de concebermos o meio ambiente como um “todo” preferindo a dualidade fictícia homem-natureza como se ela fosse real.
Reigota (1994) explica que os conceitos científicos sobre o que seja meio ambiente “são de conhecimento geral pelos pesquisadores”.  No entanto, o senso comum também elabora suas definições com base em preconceitos e ideologias, surgindo assim diferentes definições sobre um mesmo tema. 
Ao examinarmos as definições populares que procuram explicar o que seja meio ambiente uma das mais comuns é: “tudo que nos envolve”!  Como se nós não estivéssemos fazendo parte do mesmo contexto.  Algo que está afastado de nós, como se não nos afetasse diretamente. Nós estamos aqui, e a natureza está lá! Quando precisamos dela, nós a usurpamos. Apesar disso, definições mais recentes como a que foi apresentada no documento de Tbilisi (UNESCO, 1980), inclui os valores humanos em sua recomendação n. 2: “o conceito de meio ambiente abrange uma série de elementos naturais, criados pelo homem, e sociais da existência humana, e que os elementos sociais constituem um conjunto de valores culturais, morais e individuais, bem como de relações interpessoais no trabalho e nas atividades de lazer”. Mesmo nessa abordagem mais ampla, o homem não está – claramente – sendo chamado de “ambiente”, e os elementos parecem estar classificados em categorias diferenciadas.    
Apesar de vivermos em pleno século XXI, permanecem ainda presentes diversos conceitos que procuram explicar um mesmo tema, causando assim alguns equívocos. As leituras fragmentadas dificultam a compreensão do meio ambiente como um todo. A abordagem do assunto a partir de uma vertente socioambiental exige uma profunda reflexão sobre os nossos procedimentos atuais: “os problemas que o cartesianismo coloca para a educação ambiental são problemas que enquanto não tratados comprometem as próprias condições de possibilidade da educação ambiental” (GRÜN, 2000, p. 58).
            Ao afirmarmos “somos ambiente” a mensagem soa mal aos ouvidos porque temos dificuldades em aceitar que quase todo o nosso corpo é feito de água, sais minerais, gases e outras substâncias. Nosso orgulho de ser uma criatura inteligente nos afasta da simplicidade e do banal, por nos considerarmos especiais. No entanto, é na morte que percebemos nossas reais limitações e vamos nos juntar à terra outra vez. Voltar a ser um verme, ou um fungo, como éramos antes de assumir nosso corpo. “Nossa” água e nossos sais vão vagar por aí. Quem sabe, subir  pelas raízes das plantas, e se instalar em algum fruto ou folha, que irão fazer parte da refeição de alguém? Vamos voltar ao pó, de onde viemos!  Enquanto isso não acontece, continuamos iludidos de que realmente fazemos diferença no mundo. Que o mundo nos pertence e existe somente para nosso uso e deleite. Na ânsia de criar e produzir estamos desrespeitando regras de ouro, que nos convidam a viver em harmonia, em cooperação, mas não exatamente com o extermínio da nossa própria espécie e das outras, numa competição acirrada pelo poder e domínio. Acordar é preciso! Mas não de nosso sono corriqueiro.  Precisamos acordar de uma  viagem equivocada que se dirigiu para um ponto fictício, onde corremos um grande risco de chegar e encontrar nele apenas decepção e sofrimento.

   REFERÊNCIAS

 GRÜN, Mauro. Ética e educação ambiental: a conexão necessária. 3 ed. São Paulo: Papirus, 2000.

REIGOTA, Marcos. O que é educação ambiental. São Paulo: Brasiliense, 1994.

UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization). La educacion ambiental: las grandes orientaciones de la Conferencia de Tbilisi. Paris: ONU, 1980.