sábado, 1 de janeiro de 2011

Áreas desprotegidas: reserva ilegal e áreas de preservação eventuais


Colaborador Roberto Rocha
O aluno perguntou para a professora o que era uma Área de Preservação Permanente (APP). Ela disse que era uma área para “preservar a natureza”. O aluno continuou: mas por que é preciso preservar a natureza? Porque a natureza nos presta serviços que valem muito dinheiro e pelos quais nós não pagamos absolutamente nada. Imagine se todos dependessem apenas do dinheiro para poder viver! E o garoto, outra vez: mas não é assim? Se eu não tiver dinheiro no bolso eu não posso comprar a minha merenda! Minha mãe não pode fazer compras no mercado! Meu pai não pode pagar a passagem do trem e do ônibus! Eu não entendi! Pois é, muita gente não entende. Pensa que economia é assunto ligado exclusivamente à geração de empregos, construir estradas e ferrovias, comprar eletrodomésticos etc. Mas se os serviços ambientais deixarem de existir, tudo isso que você vê funcionar, pára. Nada mais acontecerá! E não haverá dinheiro suficiente para substituir “pagando”, todos esses “serviços naturais”. Mesmo pedindo empréstimos ao mundo inteiro. É impossível sobreviver sem os serviços ambientais! O menino ficou mais curioso ainda: então nós dependemos de algo que trabalha de graça para nós, o tempo inteiro? Sim, respondeu a professora. O menino: e quem faz isso? A natureza, ora! Você paga para uma empresa levar a água até a sua casa, mas quem faz circular água na Terra é a natureza! Imagine ter que transportar toda aquela água desde as nascentes até a estação de tratamento? Quem faz isso? O menino: a natureza? A professora: é, a natureza! O menino estava impressionado! Mas por que então ninguém fala sobre algo tão importante nos jornais das televisões e nos programas em geral? As escolas deveriam falar desses serviços em todos os níveis de ensino! O menino estava revoltado! A professora, mais uma vez, explicou: tem gente que fala, mas as pessoas não percebem, porque esses serviços não têm um sistema de propaganda e marketing a favor deles. Você já viu alguém fazendo propaganda sobre a formação das nuvens no céu? Ou elogiando uma mosca que poliniza um fruto? Ninguém faz isso! Aí, você entende porque essa discussão sobre reserva legal e áreas de preservação permanente continua tão confusa. As pessoas só raciocinam com base na “cadeia produtiva” compreendida como “ganhar dinheiro” ou ainda, “perder dinheiro”. Não conseguem ver que a preservação da natureza gera lucro, evita prejuízos imensos, melhora a saúde física e mental. Tudo isso “é lucro”. O menino estava triste: quer dizer então que a maioria das pessoas só pensa em termos de dinheiro? Exato! É isso mesmo. Não temos uma cultura que valorize a preservação da natureza como a mais importante fonte de “lucros”. O que temos é a exploração da natureza como fonte de lucro: você entendeu onde está o problema? Agora entendi, respondeu a criança. Mas como mudar isso, perguntou o aluno? A professora: depende primeiro da percepção de cada um sobre a importância desses serviços. Depois a legislação precisa colocar isso como prioridade. Veja que uma simples mudança climática regional – como a que acontece agora no Nordeste, em Alagoas e em Pernambuco - trás um mundo de perdas inestimáveis. Os municípios vão gastar fortunas para reconstruir as cidades. Tudo isso sinaliza para nós como alertas. Mas se não ouvimos os alertas, tudo continua como antes. As pessoas continuam a construir suas casas nas margens dos rios e nas encostas; desmatam as nascentes, e assim vai. É claro que a natureza vai pegar de volta os seus espaços, mais cedo ou mais tarde. Se sabemos disso, não deveríamos permitir essas ocupações indevidas. E nem mesmo a ocupação de grandes espaços com monoculturas e gado. Isso não é natural para o nosso país. Aqui deveríamos cultivar e criar plantas e bichos daqui mesmo, evitando o desmatamento insustentável. A soja é da China, o boi é europeu ou indiano. São exóticos. Tudo estrangeiro. A questão é que nós aumentamos tanto as áreas para criar bichos e plantas de outras países, que agora estamos avançando nas áreas das plantas e dos bichos que são nossos. Não estamos investindo em aproveitar esse potencial nativo porque custa caro e não atende às demandas do momento. É uma questão de estratégia comercial. É isso que é considerado como prioridade. Poderíamos até não ser radicais e tentar fazer as duas coisas ao mesmo tempo, mas muita gente não concorda com isso. É isso, minha criança! Temos a esperança que outros meninos preocupados como você, possam ser os empresários de amanhã. Que possam ser empreendedores também. Mas a partir de outro paradigma - que não seja o atual - altamente lucrativo, mas completamente desconectado da precaução e da coerência de cooperação mútua com os nossos próprios recursos, nossa biodiversidade, nosso futuro econômico. A questão principal é que o povo brasileiro é hoje formado por diferentes culturas; e cada uma tem lembranças distantes, que nem sempre combinam com as lembranças indígenas originais, em grande parte ausentes dos assuntos do momento. Os índios brasileiros possuíam uma sabedoria milenar de uso dos ecossistemas da terra, perfeitamente coerente com sua conservação permanente. Basta lembrar a incrível cobertura vegetal do Brasil na época da invasão portuguesa. Após cerca de 500 anos, podemos perceber o que aconteceu. Como já disse há algum tempo: não vamos voltar a usar arco e flecha, ou andar “pelados” por aí. A questão é refletir sobre questões ecológicas e evolutivas associadas às questões econômicas e fazer disso um novo caminho de “desenvolvimento” sem que sejam destruídos os nossos mais importante aliados: os serviços ambientais.

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